CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO - O FUTURO DA PROFISSÃO
Sem o CAU, a profissão acaba logo!
Eis uma sentença impiedosa, nada improvável. Uma sentença tétrica, e até sepulcral, vinda de quem, como eu, viveu todas as peripécias e angústias dessa longa jornada, que já cumpre cinco (5) décadas. Ousada e legítima, essa vontade em busca da autonomia do exercício profissional tem enfrentado uma oscilação estonteante entre o otimismo e a euforia frustrada. Se havia uma pedra no caminho de Drummond de Andrade, tem havido muitas pedras no caminho dessa nossa vontade, ainda não atingida.
Assim eu penso porque, em verdade, não há para os arquitetos nenhuma instituição profissional nossa, com competência legal, que possa propor, discutir e decidir sobre os parâmetros de excelência da prática profissional e da formação profissional. Órfãos de pai e mãe, temos vivido em busca de abrigo, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, soberbo, autônomo, forte, e símbolo de uma etapa de maioridade para a prática da Arquitetura brasileira.
Nessa refrega em busca do CAU, bem que eu gostaria de ter tido a mesma sorte que tive na vivência da campanha de "O Petróleo é Nosso". Apesar dos laudos sedutores e pseudo- científicos dos técnicos americanos, afirmando não haver petróleo no Brasil, o petróleo jorrou, para a felicidade de Monteiro Lobato e de todos nós, brasileiros. Nos anos 40, na pequena cidade de Alegrete (RS), onde nasci, eu aprendí essa lição: a busca política é a busca da felicidade (de uma nação), porque sempre coletiva. Nosso comitê de campanha se chamava, galhardamente, "Comitê Horta Barbosa", o general nacionalista.
Em 1954, a Petrobrás foi criada por Getúlio Vargas, então, presidente constitucional do Brasil. E a Petrobrás tornou-se uma referência para o mundo.
No Estado Novo (1930-1945), um Regina autoritário, Getúlio Vargas, um político astuto e inteligente, desenvolveu seu mandato ditatorial, com um projeto de nação, no plano político, cultural, industrial e social. Isto permitiu-lhe alguns acertos e tantos outros equívocos. Soube seduzir a intelectualidade brasileira, trazendo-a para sua assessoria, no sentido de ajudar-lhe a desenhar a imagem do projeto de nação que trazia consigo. Dentre esses colaboradores estavam os arquitetos brasileiros.
Ainda, Getúlio, chamado "o pai dos pobres", criou a organização sindical e protegeu os trabalhadores. A Lei Trabalhista, até hoje, azucrina o assanhamento neoliberal.
Em 1933, Getúlio teria de cometer o deslize que, até hoje, alimenta o infortúnio de nossa prática profissional, a lei de 23.569/33, determinando uma simbiose impossível, como mais tarde comprovou-se, entre arquitetura, agronomia e engenharia. Nascem os Conselhos Regionais e o Conselho Federal.
Bastaram vinte e cinco (25) anos para que se constatasse que o sistema não servia para os arquitetos, por razões sobradamente discutidas e registradas em texto.
Em 1958, começa a árdua e longa campanha pela autonomia de organização profissional, tendo em vista a regulamentação da prática profissional dos arquitetos.
A liderança dessa campanha surge no IAB- São Paulo, com os arquitetos João Vilanova Artigas e Eduardo Kneese de Mello. O ambiente da disputa era tenso e virulento. Vilanova Artigas não media palavras e afirmava que o sistema CREAs- CONFEA era um "concubinato" profissional, massacrando o desenvolvimento de três grandes profissões - Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Nesse tempo, eram três (3) as cabeças do sistema. Hoje, com mais de duzentos (200) Títulos Profissionais, "n- céfalo", há quem diga que o fenômeno virou "suruba" profissional.
A ciranda dos projetos de lei começou, também, em 1958. O primeiro projeto de lei chegou ao Congresso Nacional e, meses mais tarde, o CONFEA, assustado, empreendeu, com sucesso, uma campanha de persuasão do IAB, no sentido de retirar o projeto de lei do Congresso, para troca de idéias e conversações sobre o tema. Consumava-se, assim, o primeiro deslize de estratégia política do IAB, principalmente, em se tratando de lideranças tão firmes, como Vilanova Artigas e Kneese de Mello.
O IAB mantinha um diálogo, bem mais próximo, com a Federação Brasileira de Associações de Engenheiros (FBAE), com sede no Rio de Janeiro. Por isso a FBAE convoca um Seminário Nacional, em sua sede, 1959, para repensar o tema. Recém-formado, participei desse evento significativo, pela presença fraternal de arquitetos e engenheiros. Então os arquitetos defenderam e consolidaram a tese de que, se os arquitetos permanecessem dentro do sistema CREAs-CONFEA, deveria haver paridade dentro de todos os Conselhos Regionais e no CONFEA, que reuniam, na época, três (3) profissões. Participaram desse evento três estrelas da engenharia nacional: Plínio Catanhede, Israel Pinheiro, Saturnino de Brito, que manifestaram inteiro apoio às nossas posições.
Em 1960, acontece um Congresso Nacional, convocado pelo CONFEA, no Rio de Janeiro, no campus da PUC, tendo como objetivo, também, discutir o mesmo tema. Estavam presentes arquitetos, engenheiros e agrônomos. Quando nossa tese relativa à paridade nos conselhos foi deixada de lado, redigimos um manifesto, protestando contra a insensatez do fato e a natureza do "diálogo", proposto pelo CONFEA. O manifesto foi lido, em plenário, pelo ilustre arquiteto brasileiro, Jorge Machado Moreira. Depois do que, os arquitetos retiraram-se do congresso, e o congresso acabou.
Assim, a lei vigente, 5.194/66 não é uma proposta elaborada pelos arquitetos. O segundo projeto de lei, aprovado pelo Congresso Nacional, não é obra nossa, nem poderia ser, dado o seu desencontro com o que pretendíamos no primeiro projeto, de 1958.
O período de tempo, que tem início em 1966, com a lei 5.194, e vai até 1994, caracteriza-se por uma campanha com nova estratégia e um novo conteúdo, voltada para a conquista de uma autonomia completa da regulamentação de nossa prática profissional, através de uma legislação própria. O próprio Regina Militar (1964-1984) motivou um arrefecimento dessa vontade de alforria, já que o objetivo maior, por dever de ofício e de cidadania, era a vigilância em relação aos Direitos Humanos e à reconquista da Democracia. Muita coisa aconteceu nesses 28 anos, no caminho de nosso movimento por uma profissão autônoma.
No período inicial de nossa luta, o IAB, fundado em 1921, estava só, como protagonista de nossas reivindicações. Em 1958, nenhuma das outras quatro (4) Entidades Nacionais dos arquitetos existiam. Em 1973, é fundada a Associação Brasileira de Escolas (depois, Ensino) de arquitetura (ABEA); em 1978, é fundada a ABAP (Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas); em 1979, surge a FNA (Federação Nacional dos Arquitetos); em 1973, é criada a AsBEA (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura).
O Regime Militar sucumbe, em 1984. E a Democracia, rediviva, gera a famosa Constituição Brasileira, 1988, a chamada "Constituição Cidadã".
Os arquitetos tiveram o privilégio de inaugurar o debate, nas Sub-Comissões Especiais, encarregadas da discussão e redação das matérias da Carta Magna. O Conselho Superior do IAB, reunido em Brasília, foi convidado para inaugurar os debates, na Sub-Comissão da Questão Urbana e Transporte, presidida pelo senador Dirceu Carneiro. Essa reunião aconteceu em 13 de abril de 1987.
Assim, nesse contexto, o terceiro projeto de lei, já foi elaborado com o trabalho das cinco (5) entidades nacionais.
A nova estratégia e o novo conteúdo de nossa luta consolidariam o abandono do "princípio da paridade", que se transformaria na postulação de uma legislação própria.
Não se tratava mais de "dialogar" com o CONFEA ou pretender reformar a legislação existente, e sim, definir uma necessária política de convivência e parceria entre as Entidades Nacionais dos Arquitetos, como aconteceu, efetivamente, nos anos 70, e retomada na virada dos anos 80/90, segundo uma proposta do IAB, chamada "Política do Tripé", uma referência ao IAB/ ABEA/ FNA.
Essa política deu bons resultados e culminou com a criação legal do Colégio Brasileiro de Arquitetos (CBA), encarregado de comandar os procedimentos para a conquista de uma legislação própria.
Registre-se, aqui, que o terceiro projeto de lei foi engavetado pelo Congresso Nacional, fruto de um desentendimento entre as três entidades referidas. Isto aconteceu, em 1994, numa reunião do Conselho Superior do IAB, em Salvador, na Bahia. Tudo teve de ser retomado da estaca zero.
O quarto projeto de lei, depois de uma bela performance, sendo aprovado na Câmara e no Senado, foi vetado, na íntegra, pelo Presidente da República, por alegados vícios de encaminhamento do projeto.
Nesses anos de elaboração dessa matéria, no período de redação do quarto projeto, houve um indubitável avanço no trabalho conjunto das cinco Entidades Nacionais, sob a coordenação do CBA. Tudo indica que a experiência do CBA deva sobreviver à celebração de nossa vitória final pela conquista de uma legislação própria, protegido pela gestão de um Conselho de Arquitetura e Urbanismo, independente e soberano, sem qualquer vínculo de subordinação as instituições congêneres.
Tenho certeza de que o veto do Presidente da República foi iluminado pelo saber de sua assessoria, dando ao Governo a oportunidade de registrar, com pena de ouro, a sua contribuição própria ao coroamento dos anseios maiores dos arquitetos brasileiros.
O quinto projeto de lei está sendo elaborado pela Casa Civil da Presidência da República, com a colaboração do CBA. Em breve, será encaminhado ao Conselho Nacional.
Os arquitetos brasileiros precisam festejar a maioridade legítima de nossa profissão, nesses cinqüenta (50) anos de luta abnegada e ininterrupta.
Os arquitetos brasileiros saberão, unidos, desenhar a imagem, e fazer bater o coração, de um Brasil justo e igualitário.
Votando no Congresso do CONFEA, 1960, no Campus da PUC, Rio, a foto que ilustra este texto é uma foto cidadã, de quem sempre soube dizer "presente!", na prática e na política profissional.
